Laboratório Think Olga
Lab Think Olga | Cuidado e Política

O desfinanciamento da proteção às mulheres

Qual é o problema?

Como apontamos em nosso Relatório Mulheres em Tempos de Pandemia, os casos de violência doméstica aumentam em períodos de estresse e perturbação prolongados, como crises financeiras e desastres naturais. A casa, que deveria ser um espaço de proteção e cuidado, acaba sendo um cenário de insegurança nesses contextos. Durante a pandemia, infelizmente, é o que estamos vendo acontecer de forma alarmante em muitos estados brasileiros. Os altos índices de desemprego e a dificuldade de manter a renda familiar também ajudam a gerar ambientes de ansiedade e de estresse que recaem, sobretudo, nas mulheres. A maioria dos assassinatos de mulheres acontece dentro do ambiente familiar e também durante a semana, de segunda a sexta-feira.

Num contexto de pandemia, onde as mulheres foram as primeiras vítimas anunciadas, com um aumento exponencial de casos de feminicídio logo nos primeiros meses de isolamento, o poder público no Brasil fez perto de nada para resolver o problema. Era de se esperar que em 2020 esse orçamento aumentasse. E aumentou, só que apenas em número para 120,8 milhões. Quando, na realidade, somente 35 milhões foram executados - quase o mesmo valor ínfimo de 2019.

Olhando para a curva ano a ano de 2014 a 2020, o que tem havido é um decréscimo de gastos na pasta de políticas para as mulheres, enquanto os casos de violência contra elas só aumentam.

O que reafirmamos aqui, com todos os dados e letras, é o que o desfinanciamento das políticas para as mulheres e um crescimento do discurso sobre a importância da família, no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, só sobra o F. Nada para as mulheres, nada pelos Direitos Humanos.

Ao colocar a Família como o grande sujeito, você retira a mulher como sujeito de direito, de direitos específicos e direcionados. É falacioso esse argumento, pois a família é também o lugar da violência. Como uma instituição monogâmica, de hierarquias etárias e papéis de gênero muito definidos é o lugar da obediência e do controle. Não é o lugar da autonomia. E estatisticamente é o lugar da violência, da morte, da letalidade.

Beatriz Accioly Lins, antropóloga, pesquisadora especialista em estudos sobre violência contra as mulheres e Coordenadora de Pesquisa no Instituto Avon.

Violência contra as mulheres aumentou em 2020.

Ficou evidente que a casa nem sempre é o lugar mais seguro para meninas e mulheres!

Onde está o dinheiro?

um Ministério ausente

Com todo o aumento da violência contra as mulheres, apresentado desde março do ano passado, o orçamento para a pasta de mulheres não aumentou em relação ao ano anterior. Os recursos gastos no enfrentamento à violência contra as mulheres foi mínimo, no periodo de maior crise sanitária e humanitária do século.

Como mostrou o Inesc em outros relatórios sobre o problema, nem a suspensão das regras fiscais, nem a flexibilização das regras para contratos e licitações, medidas adotadas por causa da pandemia da COVID-19, foram capazes de melhorar o desempenho do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) na área.
Fonte

Em 2020, o valor disponível e aprovado para a pasta de mulheres era de 120,4 milhões. Porém, o gasto total foi de 35 milhões, segundo dados do Inesc, checados pela Think Olga.

Fonte: INESC

Do dinheiro disponível em 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos gastou pouco mais de 30% no enfrentamento à violência contra as mulheres.

Fonte: INESC

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Fonte: INESC

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O investimento no 180 e a manutenção de unidades da Casa da Mulher Brasileira foram a prioridade.

Fonte: INESC

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E nenhum recurso foi gasto com as mulheres para abrigo, atendimento psicológico, assistência social, transporte e apoio para saírem de casa.

A impunidade à violência - pela falta de investimento no seu combate - também apresenta recortes interseccionais (de classe, gênero e raça), quando observamos cortes orçamentários em pautas específicas.

Fonte: INESC + Fundação Heinrich Böll, Gênero & Número e Portal da Transparência

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O Ministério gastou mais dinheiro para defender o seu ideal de Família do que negros, indígenas, quilombolas, e população LGBTQIA+

Fonte: Portal da Transparência

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E olhando para os gastos totais no Orçamento Federal, fica ainda mais evidente que o combate à violência de gênero não é prioridade desse governo.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ocupa apenas 0,03% das prioridades orçamentárias da União.

Fonte: INESC
Fonte: SIGA Senado

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Há 18 anos, o Brasil conta com uma Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres.

Antes com status de Ministério, ela foi integrada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, hoje transformado no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

Os dados mostram que os gastos orçamentários contra a violência de gênero só diminuiu com esta mudança.

Fonte: INESC / O Globo

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Fontes: INESC; Fundação Heinrich Böll; Gênero e Número; SIGA Brasil; Portal da Transparência; Atlas da Violência (2019); Ipea; Antra; G1; O Globo; Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro; Ministério Público de São Paulo; Rede de Observatório da Segurança; UNICEF.

Infografia: A produção e análise de dados contou com a jornalista Agnes Sofia Guimarães Cruz.

As mulheres estão sendo deslocadas do centro da agenda e no lugar delas quem ocupa o centro da atenção hoje são a família e as crianças.

Só tem política pública com orçamento. Não se faz política pública de discurso. Ou você coloca o recurso ou você tira e é o que está acontecendo agora. Está se fazendo uma política pública: tirar recurso, o orçamento, é uma política pública, de dizer que isso não importa. Isso não é prioridade e não é responsabilidade do Estado. Não à toa, a gente percebe que quanto mais o Estado se responsabiliza pelo bem-estar, a seguridade social dos cidadãos e cidadãs, são aqueles países que estão lidando melhor com a pandemia. Essas coisas todas se encontram, né? É o caso da Nova Zelândia, da Alemanha

Accioly

Com um olhar moralista e discriminatório, boa parte das mulheres está sendo deixada de lado. A autonomia e poder de decisão estão sendo ceifados e a aposta do governo de Damares e Bolsonaro é colocá-las novamente num lugar de subserviência e submissão, para manter a estrutura do lar.

Em outras palavras, para o atual governo se as mulheres "se comportarem" não serão estupradas, não precisarão recorrer ao aborto - pois terão de aceitar filhos indesejados de seus tios, pais e parentes que as violentam -, assumirão novamente todo o trabalho de cuidado invisível de forma orgulhosa, pois não precisarão mais se dedicar a carreiras fora do lar. Afinal, o que uma mulher quer que não cuidar de seu marido e filhos, certo?

Errado! E regredir a este estado de deslegitimação de direitos, autonomia e acessos é inaceitável.

De forma eficaz e efetiva, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está silenciosamente esvaziando o orçamento na prática para o enfrentamento à violência.

Quando a urgência que vimos durante um ano de pandemia com aumento de violência doméstica, estupros e feminicídio não é sinônimo de implementação e aceleração do atendimento e acesso a políticas de enfrentamento à violência, milhares de mulheres seguirão presas no ciclo da violência. Pois este ciclo começa e termina com relações desiguais de gênero entre homens e mulheres.

Colocar as mulheres novamente na posição de vítima e com um papel secundário na sociedade, sem poder sequer sobre suas vidas, é o que nos trouxe até o estado atual em que homens acreditam que podem dominar, bater e estuprar suas mulheres, filhas, enteadas e sobrinhas.

O desfinanciamento das políticas para as mulheres, portanto, é a realização concreta de uma política que retira a autonomia da mulher e não garante nenhuma situação favorável para que ela deixe um relacionamento violento e possa proteger sua integridade e sua própria vida.

Acompanhe com a gente a criação de exercícios de futuro

Clique nos boxes abaixo para acompanhar construções possíveis de financiamento na proteção das mulheres.

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