Laboratório Think Olga
Lab Think Olga | Cuidado e Política

Cuidado passa a ser um direito no Chile

Entenda como o tema pode ser revolucionário

Assim como no Brasil, no Chile, a distribuição das tarefas de cuidado não é equitativa, recaindo sobre as mulheres de forma desproporcional, não remunerada e precária. 95,8% das mães no Chile atuam como cuidadoras primárias de seus filhos ou filhas, em comparação com 1,4% dos pais (Pesquisa Longitudinal da Primeira Infância – ELPI, 2017). 

E cerca de 80% dos idosos com dependência têm uma mulher como sua cuidadora principal (CASEN, 2017). Fica claro como o Estado não tem sido capaz de atender à crescente necessidade de apoio das pessoas, gerando uma verdadeira crise assistencial e com as mulheres subsidiando o que deveria ser amparado por políticas públicas e em corresponsabilidade com a população masculina. 

É a primeira vez na história do Chile (e do mundo) que as mulheres estão escrevendo uma carta magna em igualdade – e o que está em jogo são projetos de vida. O processo constitucional, feito desta maneira, em que mulheres estão representadas por elas mesmas, abriu uma oportunidade para destacar ainda mais a demanda do cuidado e consagrar, por fim, esse direito na nova Constituição em várias instâncias. “Ao falar do direito ao trabalho decente, estabelece-se a geração pelo Estado de políticas públicas que permitam ‘a conciliação do trabalho, da vida familiar e comunitária e do trabalho de cuidado’”, explica Carol Althaller, pesquisadora e coordenadora de projetos do Instituto Update. Dessa maneira, o cuidado é compreendido como uma questão transversal a todas as áreas de atuação das políticas públicas e será considerado como uma perspectiva fundamental presente desde a política econômica até a  política ambiental.

Trecho da série documental ELEITAS, uma coprodução Maria Farinha Filmes, Quebrando o Tabu, Spray Content e Instituto Update

Representatividade tem papel decisivo na Constituinte 

O levante feminino no Chile foi e é protagonista das manifestações contra desigualdade no país, uma reação à lógica neoliberal de governo que não vinha dando conta das necessidades da população. Foi a partir da união de mulheres – muitas que foram em manifestações pela primeira vez, que chegavam com roupa do trabalho para se somar à força coletiva – que se iniciou o processo que tornou protagonistas as pessoas que sempre haviam ficado de fora. O movimento feminista não foi apenas a força que abriu esse processo, é também uma força que o sustenta. 

Assim, a escrita da nova Constituição é resultado do desejo de mudança expresso nas ruas em 2019, culminando no chamado “Estallido Social” (algo como “estouro social”). Em 15 de novembro daquele ano foi assinado um “Acuerdo Por la Paz Social y la Nueva Constitución”, na qual líderes políticos, parlamentares e presidentes de partidos políticos de esquerda à direita concordaram em iniciar um processo de criação de uma nova Constituição, dando fim às maiores manifestações da história recente do país. 

A inquietude e a pressão popular levou à criação de um plebiscito que teve como resultado a aprovação de 78% dos eleitores pela criação de uma Convenção Constitucional, para que novos representantes, em paridade de gênero, escrevessem uma nova Constituição, mais conectada com o século 21 – especialmente quando lembramos que a Constituição atual ainda data da ditadura de Augusto Pinochet (líder do golpe militar no país, que instituiu governo autoritário de 1973 a 1990). 

Ou seja, “a Constituinte nasce de um contexto urgente de mudança, já que o Chile passou muitas décadas crescendo para poucos às custas de muitos. Saúde, educação e previdência eram considerados bens de consumo, e não direitos. Portanto, esse processo tenta responder aos anseios de que Chile é esse que pode ser construído, escancarando um desejo de transformação”, explica Carol Althaller, do Update.

Trecho da série documental ELEITAS, uma coprodução Maria Farinha Filmes, Quebrando o Tabu, Spray Content e Instituto Update

A presença da pauta do cuidado na Constituição, sendo garantido como um direito, está diretamente relacionada à paridade de gênero na escrita do documento, à representatividade de mulheres na prática. 

A nova Constituição chilena, que terá seu texto votado em um referendo no dia 4 de setembro de 2022, vem sendo considerada igualitária, plurinacional, intercultural e ecológica. Parece o sonho de todo país, certo? No entanto, Carol Althaller conta que “há uma forte campanha de desaprovação por meio de fake news e o clima não é favorável à aprovação e certamente as organizações e partidos que estão por trás dessa campanha de aprovação terão que fazer um esforço significativo para ganhá-la”. 

De acordo com o Instituto Update, caso o novo texto constituinte não seja aprovado, o Chile corre o risco de perder uma oportunidade histórica e de acabar retornando ao ponto de partida que desencadeou esta crise, sem um caminho claro para o que viria a seguir.

Este é o terceiro de uma série de conteúdos sobre cuidado e política, desenvolvido com o apoio do Nuestras Cartas, projeto do Instituto Update. Acompanhe o Lab e siga junto com a gente nesse exercício de esperança. 

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