“No ano passado fizemos um processo com meninas do interior do Maranhão e do Piauí e no momento da avaliação uma delas me disse que pelo conhecimento que teve acesso, não entraria em uma estatística porque agora conseguiria gerar renda própria e ter consciência do quanto isso a torna independente. E a partir desse momento ela pôde rever as relações, inclusive com a família.
Ao desenvolver visão crítica, deixou de ser passiva a formas de desrespeito e violência. Assim a gente contribui para mudanças nesses dados de violência contra a mulher e feminicídio, por exemplo. Talvez assim a gente reforce mais políticas públicas inclusive, são mais pessoas falando sobre isso”.
“Me reconheci feminista no processo de empreender, pelas situações que vivi e vivo até hoje. Quantas vezes não acharam que o empreendedor era o meu companheiro ao meu lado?
De fato acho que empreender não é para todo mundo. Do ponto de vista da educação libertadora, acho importante dar para as pessoas a oportunidade de entenderem qual é o seu projeto de vida. Talvez a estratégia boa seja ter um emprego formal, CLT, ou um concurso público… Acho que é fundamental falar de autonomia do conhecimento e financeira é dar para as pessoas opções e possibilidades de construírem seu próprio sonho.
Quando a pessoa se reconhece empreendedora, ela vai lidar com adversidades e desafios. Empreender é solitário. Eu vivo em condições de instabilidade, isso não é todo mundo que consegue. Eu indicaria empreender para alguém? Sim, se você acha que consegue lidar com esses desafios e é seu projeto de vida, é massa. Mas sabemos que vivemos em um país sem políticas públicas para empreendedores, especialmente para mulheres. Falta o conhecimento para gerir o financeiro e para a gestão de pessoas”.
“O conhecimento em si a gente já carrega dentro. O que a educação faz é interligar, faz com que a gente veja as coisas no dia a dia. Conhecimento e educação caminham juntos e podem ser sinônimos se articularem as experiências. Por exemplo, onde eu vejo a matemática? Na educação financeira! Em gerar autonomia para outras mulheres e outras pessoas.
A educação ajuda a conectar, fazer com que os assuntos sejam significativos. Ou seja, se “empoderar” dos números, enquanto mulher, de maneira que isso faça sentido na minha realidade e me ofereça autonomia financeira. A educação permite interligar as coisas para as pessoas entenderem a leitura de mundo que têm. Como tornar a educação significativa? Pensando em projetos de vida”.
“Quando a gente fala de mulheres da cidade, metropolitanas, a gente pensa nos conhecimentos da economia doméstica. Como se faz uma gestão de uma casa, de uma família, de um supermercado? Isso é gestão do tempo. E eu vejo uma analogia com o empreendedorismo, é um negócio familiar formado muitas vezes por uma “EUquipe”, uma mulher fazendo tudo e sobrecarregada. Então vejo a necessidade de valorizar esse tema enquanto formação para meninas e meninos: gestão financeira, de tempo e como relacionar isso com o resto da vida. É uma via de criar meninos feministas para o futuro.
E há também os saberes ancestrais, da terra, a farmácia viva. Quem nunca ouviu a mãe falar para fazer um chazinho específico para um mal estar? Os produtos naturais que veem muito da ancestralidade, o jardim, a botânica, têm saberes inscritos, muito de mulheres. A arte e o artesanato também”.
“Eu sou muito paulo freireana (seguidora de Paulo Freire), vi algumas ideias dele repercutidas na minha vivência. Uma das pautas muito importantes era a questão da educação ser libertadora. Se a educação não for libertadora e para a vida, o meu sonho enquanto oprimida se torna ser a opressora. Sem a educação libertadora não há uma transformação, não há uma libertação, há uma troca de cartas.
Um outro ponto importante é a leitura de mundo, por isso é importante ver a tecnologia a partir da nossa cultura, do nosso território, dos nossos saberes, por exemplo (que é parte do meu trabalho). Um ribeirinho tem um conhecimento totalmente diferente do meu – e esse olhar ancestral é sabedoria, é ciência, é tudo que você possa imaginar. Quando eu trago uma informação nova, é possível que aquela pessoa que está ali veja um mundo completamente diferente, que está além daquelas fronteiras e territórios, assim geramos não só protagonismo, mas um reconhecimento desse lugar. Quando a gente faz as pessoas enxergarem isso, a gente não pára mais elas, isso é libertador e não opressor. Eu acho que a autonomia do conhecimento é isso.
E tem uma relação forte com gênero, as mulheres são muito mais desacreditadas delas mesmas. Porque a sociedade faz isso a todo momento, tenta nos calar a todo momento… O patriarcado é tão forte que não é incomum que mulheres oprimam outras mulheres”.
“As consequências são inúmeras. A exemplo da violência doméstica, moral, psicológica, simbólica. Afeta a saúde mental, gera ansiedade, depressão, pessoas acuadas, sem autoestima, desvalorizadas. Você não se sente pertencente no seu próprio local. É devastador porque é como se a gente morresse um pouco por dia. A gente se acostuma com nossa infelicidade, acha que isso faz parte da vida”.
”Homens não precisam ter esse reconhecimento, porque eles já são considerados só pelo gênero. Eles não precisam de validação da fala, diferente das mulheres. Quando converso com investidores, os investidores olham pro meu marido. Em todo canto que eles chegam, eles são validados.
Homem não precisa de validação, mulher precisa. E isso ganha um peso a mais, vai se aprofundando à medida que temos outras marcas, sejam de racialização ou geográficas, se pensamos em periferias, zonas rurais… A mulher do interior tem muito menos acesso a serviços (a exemplo da saúde da mulher) e diversos conhecimentos, pois chega menos.
O homem preto sofre racismo também, é claro. Mas eles não deixam de ser protagonistas de machismos. ”
“Eu quero destacar a importância do conhecimento, da conexão com os outros e valorização do nosso projeto de vida. Ter um projeto de vida é pra todo mundo, em qualquer momento da sua história, não há idade certa. Todos precisamos ter condições de obter essa autonomia de conhecimento, essa educação libertadora para a vida, e criar novas possibilidades e projetos para si. Nunca vai existir um momento certo. A gente só tem uma vida e precisa fazer dessa jornada aqui a mais transformadora possível se colocando em primeiro lugar sempre. Nada sobre nós sem nós!”