“Quando a gente fala da questão financeira para mulheres, isso envolve muito mais gasto. Nossa socialização, das meninas, é para o cuidado, então é comum que a gente olhe coisas que os homens, os pais, não olham, como a roupa dos filhos, por exemplo. Isso faz com que a gente gaste mais – mais com os outros e menos conosco.
E quem fica em paz sabendo que não tem dinheiro pra pagar as contas do mês que vem? Como dormir tranquila sem saber se vai poder trocar o tênis do seu filho que você está vendo que tá ficando apertado nele?
Ou então, às vezes você está até com condição financeira, mas saber que uma criança depende de você para tudo é outra história, apavora a gente. Ao falar de mulheres que são responsáveis financeiramente por tudo (mães solo e/ou chefes de família), a gente adiciona uma responsabilidade gigantesca em uma dor que ela já tinha. Para além do medo de morrer e deixar de dar o amparo emocional, psicológico ao filho, ainda é a única que pode sustentá-lo. A sensação é que se o filho a perder, ele perde tudo. Como se vive bem com esse nível de ansiedade? Se você tem uma oscilação financeira gigantesca, isso é muito duro”.
“Se você dá conta de tudo, é uma amiga que está ali o tempo todo, uma funcionária que veste totalmente a camisa, é vista como alguém sem limites. Voltando à autonomia emocional como algo que passa por entender o que eu sinto, eu lembro que tenho direito de dizer não. Eu lembro que minha amiga vai continuar me amando mesmo que eu diga ‘hoje não vou te encontrar’. Não perco minha carteirinha de boa funcionária se eu digo ‘esse prazo está muito apertado, vou precisar de mais x dias para te entregar esse projeto’. É importante lembrar que podemos fazer isso, eu continuo sendo boa e o meu valor não está sendo negociado na mesa por colocar esse limite. Se isso está sendo negociado pelo outro, tem algo de errado nessa relação, e não é no meu limite. Se uma relação, seja qual for, me tira o direito de dizer não, ela me tira o direito de existir. O não protege minha existência, eu tenho direito de ter limites. Então se essa relação me tira esse direito, não é a relação que eu devo estar. E aí eu vou lidar com o luto de sair dessa relação, eu só não posso lidar com o luto dos meus valores”.
“Não podemos esquecer que é preciso estrutura para que as pessoas tenham suporte para que os pratinhos não se espatifem no chão. É preciso pensar em estruturas sociais que dêem suporte a essa mulher para que os pratinhos sejam equilibrados. É importante lembrar como a gente vota, como o poder público apoia ou não essas pessoas, se tem creche, se tem serviços de saúde de qualidade.
Uma das possibilidades é desabafar, falar, a escuta é muito poderosa. É lindo pensar em movimentos que deem apoios diversos para essas pessoas. Acredito em terapias gratuitas, em apoio emocional. Todo mundo tem problema emocional, todo mundo está sentindo dor, depressão não é doença de rico. Saúde mental não é e não pode ser privilégio de poucos”.
“A mulher branca costuma ser educada para ser boazinha, quietinha, contida, bibelô, bonequinha e enfeite. Ela precisa de uma busca por descobrir limites, descobrir que é forte sim, que não precisa de alguém que fale por ela, que dá conta de dizer e sustentar o não. Nós mulheres negras não fomos educadas para sermos boazinhas, crescemos ouvindo que damos conta, que somos fortes, que não precisamos de ninguém, que não levamos desaforo pra casa. Então o exercício da autonomia emocional está em sair dessa reatividade e pensar nos momentos em que não dou conta, em não manter essa aparência da fortona que eu aprendi desde muito pequena. Enquanto a mulher branca tem que aprender a reagir mais, a gente tem que aprender aquietar e não fazer tanto, confiar que alguém vai me amparar. Dizer que não dou conta não vai me tornar menos forte, guerreira ou assertiva. Quando ouço que a mulher branca tem que lutar para estar no mercado de trabalho sempre penso: minhas ancestrais estavam no mercado de trabalho há muito tempo, chegaram nesse país trabalhando e sendo exploradas, nunca tiveram um descanso.
Há essa diferença sobre como somos vistas por nós mesmas e pelo outro. E também temos semelhanças, porque na sociedade, em como fomos educadas, são os homens que tiram vantagens de absolutamente tudo”
“Precisamos cuidar das nossas meninas: o que a gente fala, quais correntes usamos para prendê-las. É essencial perguntar o que elas querem fazer, que elas digam o que não gostaram, como acham que devia ser feito. Menina boazinha, fácil de lidar, pode se tornar uma mulher violentada.
Mas acredito que uma das coisas mais bonitas do ser humano é a plasticidade que a gente tem. Somos capazes de aprender até a velhice. Digo isso porque a gente pode aprender a ter autonomia emocional até na velhice. É fácil? Não! Dizer pro outro que não gostamos dessa forma, que não queremos, que não aceitamos, pode ser doloroso. Mas na segunda vez melhora… E assim a gente vai construindo uma musculatura emocional para isso.
É construção no dia a dia, com suor. Exige força, mas é essencial. É difícil, mas é pra gente. Não dá pra achar que se “é difícil, não é pra mim”. Isso é um processo de uma vida, mas é um processo que a gente precisa viver.”
“Como mulheres adultas, vamos enxergar que não tem caminho fácil? E como é mais difícil? Se manter se machucando, ou construir esse outro caminho que faça mais sentido, com toda dificuldade? Qual o difícil que você vai escolher?”