Laboratório Think Olga
Lab Think Olga | Cuidado e Política

Autonomia financeira

Ter autonomia financeira é ter a possibilidade de navegar no mundo, é acessar o mínimo denominador comum do modus operandi da vida contemporânea. Neste momento da história em que vivemos, em que as estruturas sociais e financeiras estão cada vez mais misturadas e condicionadas umas às outras, a falta de autonomia financeira coloca a mulher em um não-lugar. Este não-lugar é algo pré-determinado pelo que se espera socialmente dos papéis de gênero. Culturalmente, mulher e dinheiro não combinam e isso acarreta em toda sorte de desigualdades e violências.
Ter autonomia financeira é ter capacidade de auto sustentar e autogerir a própria existência, material e simbólica, a partir de suas próprias escolhas, desejos e necessidades, sem depender de recursos de terceiros.
Não ter autonomia financeira no mundo capitalista é não ter acesso à vida em sociedade. Significa não ter liberdade de escolha, de ir e vir, de relacionar-se. É trabalho infantil, evasão escolar, violência doméstica, empreendedorismo de subsistência.
Conversamos sobre autonomia financeira com Amanda Dias, fundadora do projeto Grana Preta, e compartilhamos a seguir as principais questões levantadas sobre o assunto.
Amanda Dias é jornalista, orientadora financeira, fundadora e CEO do Grana Preta, um programa de emancipação econômica voltado para pessoas de baixa renda, micro e pequenos empreendedores. Seu propósito é disseminar a educação financeira para uma autogestão que se desenvolve na coletividade.

O que é ter autonomia financeira

“A ideia de prosperidade e de autonomia é ter tranquilidade financeira. É bancar as contas básicas, sem malabarismos, ter noção do quanto custa a vida básica e o conforto, ter acesso à saúde, terapia, atividade física… E quanto custa o meu futuro: investir na aposentadoria, realizar sonhos, afinal nem só da sobrevivência se vive. É fazer isso sem o encargo do estresse de não ter dinheiro para o básico”.

Consequências de não ter autonomia financeira

“A primeira coisa é uma vulnerabilidade total. Muitas famílias são chefiadas por mulheres, mulheres negras, que apesar de hoje terem mais acesso a estudo e educação, ganham 40% do salário de um homem branco, às vezes desempenhando a mesma função. Além disso, frequentemente desempenham funções relacionadas ao cuidado que muitas vezes não são remuneradas, o que consome seu tempo que poderia ser gasto para o trabalho remunerado. Isso expõe as mulheres a vulnerabilidades diversas, falta de acesso a mecanismos de bem estar, inclusive a situações de insegurança alimentar.

Isso tem um impacto psicológico muito grande inclusive nas decisões financeiras, pois depois de muita exposição à privação, as decisões ficam afetadas. Daí se toma caminhos que não são os melhores e muitas vezes vem o endividamento e mais exposição”.

Uma lógica de autonomia feminina vai para além de ter o dinheiro e envolve a comunidade

“As mulheres são minoria dos investidores, mas elas têm melhor resultado a longo prazo dos seus investimentos. Muito mais do que os homens. Então isso significa que as mulheres têm um perfil de investimento diferente. Elas estão pensando na segurança de suas famílias, de sua estrutura financeira e pensando a longo prazo. Elas têm metas certas, valores e priorizam outras coisas além só do ganho de capital”.

Pensar em autonomia financeira de maneira descolonizada

“Precisamos falar dos históricos de gestão financeira das mulheres e incluir isso nos currículos fora de uma referência apenas eurocentrada. Economia é a ciência da distribuição de recursos, e a distribuição de recursos não é apenas capitalista. Como são outras possibilidades? “
“Para a economia iorubá o sucesso significa distribuição de recursos. São as ?mulheres que estão na rua e nos grandes mercados, até hoje tem mercados assim. Elas ocupam lugar central na gestão do caixa e dos mercados. Sob essa gestão, há um fundo que ampara determinados setores daquele mercado para quando há situações de necessidade (como secas, cheias).”

São exemplos básicos do que é valor nessas sociedades que têm um olhar um pouco mais feminino na centralidade.”
“A gente vê isso aqui no Brasil na história das ganhadeiras (referência à colonização escravista), que era o papel que essas mulheres já assumiam nas sociedades de origem. Era um lugar que elas já dominavam – dessa forma elas conseguiam fazer um dinheiro sobrar e foram representativas na compra de alforrias.”

“Acho que a autonomia feminina vem a partir do momento que a gente olha e muda o que é prosperidade”.

Dinheiro é coisa de mulher?

“Todo mundo precisa pensar sobre essa questão do trabalho não remunerado feminino. Não dá para as mulheres ficarem tendo triplas e quádruplas jornadas e ganhando menos do que homens porque isso gera uma extenuação gigante. Eu ouço pessoas, às vezes especialistas em finanças, falarem ‘ah, as mulheres não se engajam na organização financeira’. Mas é claro! Não sobra tempo para isso. É muito trabalho lidar com a casa, com filhos, a gestão de tudo isso e as micro gestões, tudo que precisa ser lembrado”.

Empreendedorismo

“As pessoas me perguntam se a gente tá romantizando o empreendedorismo, mas acho que tem que pensar de onde isso vem. A gente está num contexto de baixas ofertas de emprego. O índice de desemprego diminuiu porque o de ocupação aumentou, mas são bicos, mercado informal, não de carteira assinada, ou por PJ. As vagas de trabalho foram muito precarizadas. Está sendo “legal”, legalizado, trabalhar 12hs por dia. A gente leva o trabalho para casa numa situação que já existe nas vagas de trabalho. Então cabe pensar: estamos romantizando o empreendedorismo ou não estamos olhando para o que já acontece nas vagas de trabalho?”

“A gente vem vivendo esse processo, então o empreendedorismo por necessidade nasce nesse lugar de quem não tem escolha a não ser empreender. As pessoas vão buscar o trabalho autônomo porque elas vão buscar colocar comida na mesa e sobreviver.”

“Mas se isso viesse com um investimento em educação empreendedora, auxílio e incentivo de gestão, com estrutura para que as pessoas conseguissem empreender, gerar empregos, seria um outro cenário. Muita gente começa a empreender pela necessidade, mas quando se vê nessa possibilidade de seguir em outro ritmo de trabalho, elas acham melhor. Principalmente quando se fala de mulheres, apesar de ter uma renda picada, não ter garantias, isso envolve o cuidado dos filhos e da vida, por exemplo, a “liberdade” de estar com minha mãe pra cuidar, não tem preço”.

O que conquistamos com a autonomia

“Eu gosto muito que a gente pense nessa autonomia no sentido de mulheres realizando sonhos, sendo felizes, fazendo investimentos pensando no futuro e bem estar delas. Essa é a principal meta. Acredito que tem muitas mulheres pensando em gerar impacto e viver bem, fornecer uma vida de qualidade para elas e para suas famílias. E acho que investimento e educação financeira são fundamentais para realizar esse objetivo”.

Entenda as diferentes autonomias

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