Em um ano de eleições é fundamental pensar: o que esperamos da política agora?

Em um ano de eleições é fundamental pensar: o que esperamos da política agora?A política é um exercício de imaginação e demanda coletivas – se conseguimos imaginar, conseguimos lutar. Esta não é tarefa fácil, no entanto, diante dos inúmeros retrocessos dos últimos anos no Brasil. Mas temos agora outros exemplos vindos da América Latina, dos nossos países irmãos, que nos ajudam a embarcar nesta empreitada. Nos ajudam a pensar que é possível imaginar sim, porque bem aqui ao lado está acontecendo uma mudança renovadora de esperanças. Convidamos você a sonhar e construir junto esse caminho que vamos trilhar agora, tendo no horizonte o poder transformador do cuidado por meio da política institucional.
No Chile esta preocupação vem se expressando por meio da elaboração de uma nova Constituição – e todo mundo que defende um mundo mais justo deve apoiar e prestar atenção no que acontece lá agora. A Constituição chilena data de 1980 e remonta à ditadura militar do general Augusto Pinochet, além de ser considerada uma sustentação para uma política neoliberal, que isenta o Estado do cuidado com seu povo em áreas como educação, cultura e política social. Para construir uma alternativa a essa ultrapassada realidade, foi formada uma Assembleia Constituinte, a primeira do mundo pautada pela paridade de gênero, inicialmente presidida por uma mulher de origem mapuche, guiada pelos direitos humanos e da natureza. Este vem sendo reconhecido como um processo tão marcante que dá um novo impulso, não apenas à nação e às populações diretamente envolvidas, mas a todos os contextos com os quais se relacionam e impactam.
Ao longo dos últimos anos, entendemos que o trabalho do cuidado é um ponto crítico de disputa se queremos viver em uma sociedade mais igualitária, saudável e justa.
Falar em trabalho do cuidado é falar sobre todas as atividades necessárias para gerar e manter a vida, a saúde e o bem estar das pessoas. Ou seja: as tarefas do lar, como o planejamento e preparo de refeições, limpeza dos ambientes e das roupas, o monitoramento do que falta na despensa e as tarefas relacionadas aos cuidados pessoais, especialmente de crianças, pessoas idosas, doentes ou que têm alguma deficiência. Mesmo sendo indispensável para a sobrevivência, este trabalho não vem sendo reconhecido como tal.
Para além do gênero, a carga do cuidado pesa sobre especificidades de raça e classe, agravando desigualdades. Durante a pandemia, a crise do cuidado que vivemos se tornou mais explícita: mulheres sobrecarregadas com as atividades de cuidar, sem rede de apoio, exaustas e com a saúde mental prejudicada (60% das mães brasileiras afirmaram sentir os impactos da pandemia sobre a saúde mental). A conciliação com o trabalho formal ficou violentamente exaustiva e muitas delas tiveram suas funções precarizadas, quando não foram demitidas e empurradas para o frágil mercado informal. A conta que a pandemia deixa são mulheres desamparadas, solitárias e doentes, mas que seguem como únicas cuidadoras e portanto sustentáculos da vida e da sociedade. Abordamos estas realidades no Lab Economia do Cuidado e no Especial Autonomia: mulheres, cuidado e renda, que você pode ler clicando nos links.
Diante de tudo isso, acreditamos que o cuidado é uma questão econômica, social e também política. Como tal, precisa estar entre as preocupações dos representantes do executivo e legislativo em quem vamos escolher confiar nossos votos neste ano. Como podemos desenvolver um olhar crítico para as próximas eleições e assim contemplarmos em nossas escolhas os caminhos para a superação da crise do cuidado?
Neste momento de reescrever os possíveis caminhos para cidadãs e cidadãos, seja no Chile, com a constituinte, seja no Brasil, com as eleições, o cuidado precisa ser colocado como um direito: direito de cuidar, de receber cuidados e de ter os meios necessários para exercê-lo; e o direito de ter o reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidado como trabalho socialmente necessário e indispensável para a sustentabilidade da vida e o desenvolvimento da sociedade. A nova Constituição chilena, que terá seu texto votado em um referendo no segundo semestre de 2022, vem sendo considerada igualitária, plurinacional, intercultural e ecológica. A paridade de gênero, presente no projeto desde a semente, é uma resposta organizada das mulheres que lutam contra a precarização da vida, uma importante pauta de convergência de pessoas originárias de diferentes realidades. O cuidado tem o poder de reestruturar as sociedades e resgatar um modo de vida mais humano e sustentável.
Celebrando esta poderosa movimentação, a Think Olga faz uma parceria com o Nuestras Cartas, projeto do Instituto Update, a fim de inspirar as brasileiras com o que acontece no país vizinho e de ampliar a consciência em ano eleitoral. Como um exercício de futurismo, vamos deixar os ventos soprarem as boas notícias e ilustrar o mundo sonhado pelas mulheres que cuidam e entendem a importância disso. Te convidamos a nos acompanhar neste encontro entre política e cuidado, algo capaz de definir e mudar o futuro de todas nós.
Que nossas hermanas nos mostrem os caminhos das pedras para que possamos vencer o obscurantismo e valorizar a vida.
A constituinte Chilena é um projeto de imaginação política, está na hora de imaginar o que queremos para o Brasil.