Laboratório Think Olga
Lab Think Olga | Cuidado e Política

Transcrição

O Ponto de Virada na Saúde Mental das Mulheres

LEIA O ESPECIAL

Mais de 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental ou causado pelo uso de substâncias antes da pandemia. Mais da metade eram mulheres. Só no Brasil, 7 em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade eram mulheres.

A covid-19 agravou esse quadro e as sequelas dessa crise sem precedente permanecem, sobretudo na saúde mental das mulheres.

Para entender esse contexto, perguntamos às brasileiras quais aspectos da vida têm gerado sofrimento e insatisfação atualmente — e de que forma elas cuidam da própria saúde mental.

Os números assustam, mas não surpreendem.

Quase metade (45%) possui um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro transtorno mental.

ESTRESSE

IRRITABILIDADE

SONOLÊNCIA

FADIGA

BAIXA AUTOESTIMA

INSÔNIA

E TRISTEZA

são sintomas experimentados por elas cotidianamente.

As causas apontadas pelas mulheres para essa situação se relacionam principalmente a

FALTA DE DINHEIRO

SOBRECARGA

INSATISFAÇÃO COM O TRABALHO.

E, assim como outras estatísticas e pesquisas já demonstraram historicamente, são as mulheres negras as que vivenciam maior sofrimento com essas condições.

A boa notícia é que 91% das entrevistadas afirmam que a saúde emocional deve ser levada

muito a sério, e 76% estão buscando prestar mais atenção a isso, principalmente após a pandemia.

O que é importante para as mulheres, é importante para nós, da Think Olga. Com a pesquisa “Esgotadas: o empobrecimento, sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres”, nos debruçamos sobre a saúde mental da população feminina, reafirmando nosso compromisso em jogar luz nos problemas enfrentados por elas.

Como afirmamos em nosso manifesto: temos a convicção de que não há futuro possível se o sofrimento e o adoecimento das mulheres não forem cuidados imediatamente.

Saúde mental: uma questão das mulheres

Dados de uma pesquisa global de 2019 mostraram que:
49 milhões de pessoas viviam com algum tipo de transtorno mental ou por uso de substâncias no Brasil.

53%

delas eram
mulheres

Isso significa que a cada 100 mulheres brasileiras, 19 tinham algum tipo de transtorno mental ou por uso de substâncias. A proporção mundial é de 13,3 a cada 100.

Ainda de acordo com esse estudo, as mulheres representavam quase dois terços das pessoas com transtornos de ansiedade e depressão, enquanto os homens eram maioria entre os transtornos causados por uso de álcool e outras drogas.

Esse cenário era uma realidade pré-pandêmica.

A partir de 2020, a crise sanitária teve um impacto brutal na saúde mental das pessoas em razão do isolamento, das incertezas, da instabilidade econômica, do medo, do luto e de um sofrimento coletivo imenso ao redor do mundo.

Um estudo publicado na revista científica Lancet mostrou que a prevalência global de transtornos de ansiedade e depressão aumentou significativamente já em 2020, primeiro ano da pandemia. De acordo com esse dados, 67% dos novos casos de transtornos depressivos e 68% dos novos casos de transtornos de ansiedade foram registrados em mulheres, com maior prevalência entre as faixas de 20 a 40 anos para depressão, e de 15 aos 40 anos para ansiedade.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

Naquele momento de luta elas estavam prontas para lutar. Elas estavam dando conta de coisas que elas nem sabiam que dariam. Só que a conta começou a chegar.

Essas mulheres negras, que já têm que dar conta da sua rotina familiar, muitas vezes sozinhas, mesmo tendo um companheiro e muitas vezes mesmo tendo filhos. Ela tem que pensar a rotina da vida não só nas questões financeiras, mas nessa dinâmica de sustentar o próprio equilíbrio da convivência. Essas mulheres tiveram que dar conta de desemprego de maridos, tiveram que dar conta da irritação desses maridos desempregados que passaram a ficar em casa com seus filhos, tiveram que dar conta dos processos de adoecimento dos seus filhos nesse período. E elas tiveram que fazer isso muitas vezes em casas pequenas, com pouco espaço de vazão para poder respirar. Elas tiveram que segurar as agressividades e violências decorrentes de toda essa redução de espaço. Elas tiveram que se tornar professoras. Elas tiveram que lutar para fazer todo mundo acreditar naquilo que elas também não acreditavam que era: nós vamos ficar vivos. Isso demanda muito gasto energético, muito gasto psíquico. E não foi oferecido para essas mulheres um posto de gasolina para reposição, para encher o tanque de novo. E aí a gente vai vendo resquícios disso nos dias atuais porque, naquele momento de luta, elas estavam prontas para lutar. Elas estavam dando conta de coisas que elas nem sabiam que elas iam dar conta. Só que a conta começou a chegar, a conta desse processo. E aí, nós estamos encontrando mulheres extremamente cansadas, num período em que os seus filhos precisam recomeçar a acreditar na vida, que os seus maridos estão retomando o mercado de trabalho, e elas estão esgotadas.

O agravamento do sofrimento psíquico gerado pela pandemia evidenciou a necessidade e a urgência de se falar sobre o assunto. Por isso, entrevistamos 1.078 mulheres com mais de 18 anos de todas as classes e de todas as regiões do país para termos um retrato de como estão as mulheres brasileiras.

As entrevistas foram feitas online, com o apoio de um questionário, entre os dias 12 e 26 de maio de 2023. A margem de erro é de 3 pontos percentuais e o intervalo de confiança é de 95%.

Além dos dados da pesquisa, o estudo contou com as observações e comentários de quatro especialistas em saúde mental:

Debora Elianne, psicóloga com mestrado em psicologia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em psicologia clínica, atuando com foco na saúde mental da população negra, e integrante da equipe psicossocial do projeto Vivencer.

Debora Elianne, psicóloga com mestrado em psicologia...

Jaqueline Gomes de Jesus, professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (DIHS/ENSP/FIOCRUZ), docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS - UFRJ/UERJ/UFF/FIOCRUZ) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTÓRIA - UFRRJ), pesquisadora-líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade (ODARA) vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Jaqueline Gomes de Jesus, professora de psicologia...

Juliane Callegaro Borsa, psicóloga clínica especialista em saúde mental feminina, mestre em psicologia clínica pela Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), doutora e pós-doutora em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Juliane Callegaro Borsa, psicóloga clínica especialista...

Regina Faccini, antropóloga e psicanalista, pesquisadora doutora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Unicamp.

Regina Faccini, antropóloga e psicanalista, pesquisadora...

Adoecidas

Das entrevistadas, quase metade (45%) das mulheres responderam que já foram diagnosticadas com algum transtorno mental.

Esgotadas,
portanto
adoecidas

PORCENTAGEM DE MULHERES QUE FORAM DIAGNOSTICADAS
COM TRANSTORNOS MENTAIS, POR TRANSTORNO

Esse adoecimento psíquico das mulheres não pode ser desvinculado do contexto social e cultural em que vivem.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

É o modo como as pessoas vivem cotidianamente que vai fazer com que esse sofrimento emerja. É algo sensível e dependente das desigualdades.

Além de não olhar as mulheres como bloco único — temos as várias mulheres e as várias estruturas sociais de poder que vão afetar diferentemente a vida de diferentes mulheres —, a gente não pode olhar isso separado do que acontece com os homens. Porque a gente tem, socialmente, uma atribuição da tarefa de cuidado para as mulheres. E o que a gente vê, em pesquisas de saúde mental e mesmo no consultório, é que esse cuidado com relação aos homens — que procuram menos ajuda médica, mas cujo cuidado recai sobre as mulheres no cotidiano familiar — tem um impacto também no sofrimento das mulheres. Por que estamos falando aqui de sofrimento.

As estruturas de opressão como o machismo, o racismo e a exclusão econômica e social têm um papel crucial nessa matemática.

Ao longo da história, a norma imposta às mulheres esteve por muito tempo associada ao comportamento masculino. A psicologia e a psiquiatria foram forjadas nesse contexto, levando grande parte dos comportamentos de mulheres — muitos deles eram efeito das condições de opressão impostas a elas — a serem tratados como doenças. Assim como efeitos comuns produzidos pelas alterações hormonais dos períodos pré-menstruais, puerpério e menopausa, que foram estigmatizados como problemas psíquicos.

Uma perspectiva apenas biológica nos privaria de levar em consideração o peso das disparidades de gênero no adoecimento mental de mulheres e de homens.

A própria OMS reconhece a influência do gênero nas diferenças de poder e controle que homens e mulheres têm sobre os determinantes socioeconômicos, bem como na posição social e no tratamento que recebem da sociedade e, consequentemente, na sua saúde mental.

As desvantagens sociais associadas ao gênero feminino, como a maior exposição à violência doméstica e sexual, oportunidades educacionais e de emprego limitadas e mais responsabilidades de cuidado, podem explicar o aumento da incidência de transtornos mentais entre as mulheres.

Falar de saúde mental precisa abarcar os determinantes sociais como acesso à educação, habitação, alimentação, renda digna, emprego, transporte, cultura, entre outros.

Ansiedade
e estresse
todos os dias

SENTIMENTOS FREQUENTEMENTE PRESENTES NO DIA A DIA DAS MULHERES, EM PORCENTAGEM

Insatisfeitas

Perguntamos às brasileiras qual sua satisfação em relação a diversas áreas da vida e quais delas têm gerado mais sofrimento e impacto na sua saúde emocional.

A notícia é:

ELAS NÃO ESTÃO MINIMAMENTE SATISFEITAS EM NENHUMA ÁREA DA VIDA.

Esgotadas
porque
insatisfeitas

SATISFAÇÃO EM CADA ÁREA, EM PORCENTAGEM

Falta de dinheiro e sobrecarga de trabalho são as maiores questões que afetam hoje a saúde emocional das mulheres brasileiras.

Quando perguntadas sobre as áreas da vida que as brasileiras mais desejam mudar, ganham destaque a situação financeira e o trabalho:

60%

desejam mudar a
situação financeira

30%

querem mudanças
no trabalho

Esgotadas
pela falta
de dinheiro

CAUSAS DE INSATISFAÇÃO
POR ÁREA, EM PORCENTAGEM

Estrutura financeira

Trabalho

Relações

Fatalidades

Estilo de vida

Discriminação

Estrutura financeira

Trabalho

Relações

Fatalidades

Estilo de vida

Discriminação

Arraste para o lado e confira as outras causas

A insatisfação com a vida financeira espelha os problemas sociais:
como sempre, mulheres negras e pobres são as mais afetadas.

61%

das mulheres brancas
se consideram satisfeitas

&

46%

das mulheres pretas e pardas
se consideram satisfeitas

Empobrecidas

Metade das mulheres afirma que a situação financeira apertada é o que mais contribui negativamente para a sua saúde emocional atualmente.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

Quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e a vulnerabilidade em saúde mental.

A questão socioeconômica é uma variável importantíssima quando a gente fala de saúde mental. Quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e vulnerabilidade em saúde mental, então isso é uma questão que a gente tem que considerar, ela é importantíssima. A gente não consegue descolar — é impossível descolar — a saúde mental do contexto social, econômico, histórico e cultural.

Nos últimos anos, o desemprego, o aumento do custo de vida e a precarização do trabalho dificultaram ainda mais a subsistência das mulheres.

Em 2021, quase um em cada três brasileiros estavam na pobreza, segundo o Banco Mundial.

E a proporção de pessoas pretas e pardas abaixo da linha de pobreza (37,7%) era praticamente o dobro da proporção de pessoas brancas (18,6%), de acordo com o IBGE.

Ainda segundo o IBGE, cerca de 62,8% das pessoas que viviam em domicílios chefiados por mães solo com filhos de até 14 anos estavam abaixo da linha de pobreza.

Não há como escapar. A chamada feminização da pobreza é um fenômeno global: mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo são mulheres, segundo dados da ONU. No Brasil, esse fenômeno não pode ser dissociado dos recortes de raça e região do país onde vivem as mulheres mais pobres.

A pressão e a preocupação para colocar comida na mesa e pagar todas as contas da casa e da família recai sobre elas: 38% dos lares têm as mulheres como as principais ou únicas provedoras

Nossa pesquisa revelou que as que têm maior responsabilidade ou sobrecarga financeira são

Mulheres negras
das classes D e E
com mais de 55 anos

De toda a mostra, apenas 11% das entrevistadas afirmam não contribuir financeiramente em casa.

As mulheres seguem ganhando menos que os homens. E também estão mais desempregadas.

A diferença de remuneração entre homens e mulheres ainda é uma realidade. Uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem pelo mesmo trabalho, na mesma função e hierarquia, segundo dados do IBGE.

Em todos os níveis de escolaridade, a renda média de mulheres negras não chega a 60% da renda de homens brancos.

Sobrecarregadas

Desde 2020, quando a Think Olga lançou o Laboratório de Inovação Social: “Mulheres em Tempos de Pandemia”, destacamos a importância do trabalho do cuidado e as implicações de sua invisibilidade e desvalorização para a sociedade em geral, e em especial, para as mulheres.

O serviço de cuidar exige muito tempo, é mal pago (quando pago) e gera um esforço invisibilizado e contínuo.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

Esse conceito de mulher forte, mulher guerreira, mulher multitarefa… são artifícios e dispositivos que nos colocam aquela ideia de que seja sobrecarregada, mas seja uma sobrecarregada feliz.

A gente aprende isso desde criança. A gente aprende quando a gente ganha bonequinha, quando nos dizem que a gente tem que cuidar da bonequinha, colocar a boneca pra dormir… Ou quando essas meninas acabam assumindo muitas vezes o cuidado dos irmãos mais novos. Ou quando elas são convidadas a ajudar a mãe no cuidado da casa, nos trabalhos domésticos. Enquanto esse menino é estimulado a ajudar o pai fora de casa ou exercer outros papéis que não sejam de cuidar. Muita coisa mudou, mas nem tudo mudou. Na verdade, muita coisa mudou e muita coisa não mudou. Acho que esse é o grande paradoxo. A gente tem isso como uma grande missão, uma atribuição. E isso nos coloca nesse lugar de que a gente tem que segurar o rojão o tempo todo. E para segurar o rojão, a gente precisa estar bem. Então, acho que sim. Isso é uma variável importante. E isso traz também muita culpa, porque a gente se culpa. Uma vez eu falei: “nasce uma mãe, nasce uma mulher culpada”. Mas eu acho que, se a gente pensar, é anterior a isso: nasce uma mulher, nasce uma pessoa culpada. Porque a gente tem toda essa expectativa que é colocada sobre a gente e a gente cresce com a missão de dar conta de tudo. Existe toda uma romantização dessa ideia de que a gente tem que dar conta de tudo. Esse conceito de mulher forte, mulher guerreira, mulher multitasking, multitarefa — isso são artifícios e dispositivos que nos colocam aquela ideia de “seja sobrecarregada, mas seja uma sobrecarregada, feliz”.

O trabalho de cuidado envolve muitas horas dedicadas ao cuidado com a casa e com as pessoas: dar banho e fazer comida, fazer faxina, comprar os alimentos que serão consumidos, cuidar das roupas (lavar, estender e guardar), prevenir doenças com boa alimentação e higiene em casa, cuidar de quem está doente, fazer café da manhã, almoço, lanches e jantar para os filhos, educar, e isso todos os dias, por horas a fio.

As mulheres dedicam o dobro de tempo dos homens nas tarefas de cuidado, segundo dados do IBGE. Em um ano as mulheres gastam 1.118 horas (47 dias) nessas tarefas, enquanto os homens dedicam apenas 572 horas (23 dias).

57%

das mulheres de 36 a 55 anos cuidam de alguém

50%

das mulheres pretas e pardas cuidam de alguém

Nesta edição do Lab Think Olga, buscamos identificar a percepção das próprias mulheres sobre o impacto do trabalho de cuidado em sua saúde.

A sobrecarga de trabalho doméstico e a jornada de trabalho excessiva foram o segundo fator apontado pelas entrevistadas como tendo maior impacto em sua saúde emocional, atrás apenas das preocupações financeiras.

O peso
do cuidar

MULHERES QUE ESTÃO INSATISFEITAS COM SUA
CARGA DE RESPONSABILIDADE, EM PORCENTAGEM

As mães solo, um grupo dentro das mulheres que são cuidadoras, são as que se sentem mais insatisfeitas com sua carga de responsabilidade.

A sobrecarga de cuidado também está relacionada a níveis mais altos de insatisfação com a situação financeira e o trabalho.

Uma mulher sobrecarregada com o cuidado tem menos tempo ou condições para se dedicar ao trabalho remunerado. Uma mulher sem renda digna tem precarizados seu meio de vida e suas condições de cuidar.

O adoecimento psíquico é também o resultado dessa conta que não fecha e pressiona de maneira sobre humana a saúde mental das mulheres.

Pressionadas

Para além dos problemas financeiros e a sobrecarga do trabalho de cuidado, outros fatores impõem sofrimento psíquico às mulheres, como as PRESSÕES ESTÉTICAS e as VIOLÊNCIAS DE GÊNERO.

A obrigação de corresponder a padrões irreais de beleza impacta negativamente a saúde mental de 26% das entrevistadas, afetando sobretudo mulheres mais jovens.

Não por acaso, a baixa autoestima e a insatisfação com o corpo também são mencionados pelas entrevistadas como fatores que causam impacto negativo em sua saúde emocional. Conectado a isso está o fato de que as mulheres representam 68% dos diagnósticos de pessoas com transtornos alimentares no Brasil.

Expostas
à violencia

As violências de gênero, ou o medo constante de sofrê-las, também exercem uma forte pressão na psique das mulheres. No Brasil, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que quase 60 mil mulheres sofreram violência diariamente em 2022.

16%

das entrevistadas citam o medo constante de sofrer violência como fator de impacto em sua saúde mental.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

O medo em si é uma realidade da nossa cultura e já traz danos históricos.

Infelizmente, eu devo te dizer que é uma realidade de toda pessoa que nasce no Brasil. É parte de uma realidade que obviamente vai ser destacada para mulheres, população negra, indígena. Vou sintetizar. Quem não é o homem branco, cisgênero, supostamente heterossexual vive essa situação de constante medo. Mesmo uma mulher branca heterossexual vive essa situação. Claro que numa escala diferente de outras mulheres, de pessoas LGBT, de negros, e indígenas. Mas ela vai estar presente. A questão, então, portanto, na minha visão, não é o medo em si, porque ele já é uma realidade da nossa cultura e que já traz danos históricos. A gente é uma cultura extremamente ansiosa. O que já era um padrão se potencializou. O fato de termos vivido uma cultura que, no caso, um momento cultural em que eram desvalorizadas a perspectiva e o corpo das pessoas em função de noções machistas, LGBTfóbicas, isso teve um impacto importante na saúde que ainda não foi plenamente mensurado. Nós temos já apontamentos, mas certamente um grau de subnotificação estrondoso. Vamos ainda ter muito tempo para não só avaliar o que a gente já sabe que é um dado complicado de saúde e de condições de vida, mas principalmente, como tratar, como acompanhar. E, no meu entendimento, não vai ser só no atendimento individual, clínico, a gente vai ter que criar estratégias de cuidado em saúde social, seja as rodas de escuta, sociodramas, trazendo mais a dimensão técnica. A preparação das comunidades para uma escuta mais qualificada, eu acho que vai ser muito importante, porque não tem um sistema único de atenção à saúde mental de forma mais ampla — seja o SUAS, de assistência social, seja o SUS, com os Centros de Atenção Psicossocial e centros especializados — que vai ser suficiente.

Uma pesquisa da Vital Strategies que levantou dados do SUS revelou que mulheres são 75% das vítimas de violência física e sexual no Brasil, mas pretas e pardas são ainda mais afetadas, representando 55% e 60% dos casos registrados, respectivamente.

Ao longo da vida, mulheres que sofreram esses tipos de violência podem desenvolver transtorno de estresse pós-traumático, depressão, transtornos alimentares, ansiedade, distúrbios sexuais, maior propensão ao abuso de álcool e outras substâncias, ter sua satisfação com a vida, com o corpo, com a atividade sexual e com as relações interpessoais comprometidas, além de maior risco de suícidio.

Esgotadas
e em busca
de uma solução

Quase metade das entrevistadas afirma que foi diagnosticada com algum transtorno mental e sete em cada dez dessas mulheres fazem acompanhamento médico.

Apenas 11% delas afirmam não cuidar da saúde emocional de nenhuma forma.

Estratégias de cuidado

ATIVIDADES PRATICADAS PARA CUIDAR
DA SAÚDE MENTAL, EM PORCENTAGEM

As mulheres reconhecem que não são as únicas responsáveis por cuidar da própria saúde emocional e também atribuem às instituições governamentais, de saúde e empresas privadas essa tarefa.

Entre as entrevistadas, 54% afirmam que as instituições governamentais têm responsabilidade na saúde mental dos brasileiros.

Responsabilidade Compartilhada

Nós, da Think Olga, fazemos coro e reforçamos que a responsabilidade por cuidar da saúde mental das brasileiras deve ser compartilhada.

O adoecimento e o sofrimento mental das mulheres não podem mais ser negligenciados.

Para lidar com a crise atual e por se tratar de questões estruturais, as políticas públicas são o melhor caminho. Não é possível pensar a saúde mental das pessoas de forma descolada dos outros setores da sociedade e da vida.

Áudio extraído de entrevista feita
por meio de chamada de vídeo. Veja mais.

O sofrimento psíquico é também sofrimento social, é sofrimento psicossocial. Portanto, a política para melhorar a saúde mental não é só de saúde mental.

Que não estejam pautados no modelo de manicômio, que não tenham como centro a ideia de patologia, que pensem que o sofrimento psíquico é também sofrimento social. Ele é sofrimento psicossocial. E não dá para desarticular as duas coisas e, portanto, a política para melhorar a saúde mental também não é só política de saúde mental. Se a gente precisa de uma retomada do foco nas políticas antimanicomiais, nas redes de atenção psicossocial, na articulação, no fortalecimento dos CAPS e da RAPS e de toda a rede, a gente também precisa de políticas econômicas e redistributivas, para enfrentar os problemas de saúde mental, de políticas antirracistas, de políticas de segurança que não sejam só baseadas no punitivismo, mas que também, por exemplo, consigam dar conta de algo que não conseguimos resolver até hoje que é o fato de as pessoas não notificarem uma situação de violência por medo da revitimização da denúncia. Isso acontece com o racismo, com a violência sexual, com o feminícidio. A gente precisa de uma política de segurança que cuide das pessoas. A gente precisa de políticas de educação, porque ela é capaz de, ao longo do tempo, incidir sobre as desigualdades de gênero, raciais e LGBTfobia e sobre outras desigualdades sociais. Ela também é capaz de fazer com que crianças e adolescentes reconheçam o que é violência sexual, por exemplo, e possam estar mais preparadas para reconhecer e procurar ajuda. As políticas de saúde eficazes, saúde física, também vão aliviar um pouco essa situação das mulheres. As políticas de cultura também. Políticas de cultura podem ir produzindo, paulatinamente, algumas mudanças nesse ideal social que se coloca para os sujeitos, e incidir sobre o racismo, machismo, lgbtifobia, classismo, adultocentrismo, cisheteronormatividade, capacitismo. E, por fim, e não menos importante, a produção de dados: a gente só pode incidir sobre uma realidade que a gente conhece.

Então, para que a vida das mulheres e as vidas de quem elas cuidam sejam efetivamente valorizadas, as ações individuais, da sociedade civil, do setor privado e, sobretudo, do setor público precisam ir além do olhar sobre a doença e passar a pensar o cuidado, a sobrecarga e a feminização da pobreza, de maneira abrangente e coletiva.

No relatório da pesquisa “Esgotadas: O ponto de virada na saúde mental das mulheres”, ensaiamos algumas propostas de ações em todos esses âmbitos:

SOCIEDADE CIVIL

ampliar a consciência da população sobre o trabalho de cuidado para toda a sociedade;

incentivar a divisão igualitária do cuidado;

acompanhar, pressionar e cobrar do Estado que haja projetos de lei, programas e políticas dirigidos a transformar a realidade das desigualdades de gênero e a cuidar da saúde mental das mulheres.

SETOR PRIVADO

ampliar a consciência da população sobre o trabalho de cuidado para toda a sociedade;

manter um ambiente de trabalho livre de assédio sexual e moral;

garantir iniciativas que promovam o envolvimento de pais e mães como responsáveis no cuidado dos filhos;

oferecer assistência e promover práticas saudáveis de cuidado em saúde mental.

SETOR PÚBLICO

investir, fortalecer e ampliar a oferta de cuidado em saúde mental no SUS e nas redes de assistência social;

implementar uma Política Nacional de Cuidados;

implementar e fortalecer políticas de transferência de renda focadas em mulheres;

investir em políticas de educação que promovam o debate sobre o cuidado e a saúde mental;

desenvolver e implementar políticas que reduzam as desigualdades de gênero e raça na distribuição de renda, acesso ao trabalho digno e disparidades salariais.

Essas recomendações não são exaustivas e nem se pretendem definitivas. Esse é um problema grave e urgente, que demanda soluções em diversas frentes e setores, com participação e responsabilidade amplas de toda a sociedade.

Reafirmamos nosso compromisso em jogar luz nos problemas enfrentados pelas mulheres e nos debruçamos sobre a saúde mental da população feminina.

Convidamos a todas as pessoas a se implicarem também nessa solução, por entendermos que não há futuro possível se o sofrimento e o adoecimento delas não forem encarados de frente.

FICHA TÉCNICA

Direção executiva Think Olga

Maíra Liguori e Nana Lima

Gestão de projeto

Luciana Nogueira

Comunicação institucional

Priscila Silvério — gestão

Marjana Antunes — coordenação

Pesquisa, análise e redação

Leda Antunes

Consultoria de dados e estatística

Caroline Ferraz

Identidade visual

Silvana Martins

Direção de arte

Marilia Figueiras

Pesquisa quantitativa

Opinion Box - Produção de dados quantitativos

Produção do site

NFatorial!

Assessoria de imprensa

PINE!

Especialistas consultadas

Regina Facchini

Debora Elianne R. de Souza

Jaqueline Gomes de Jesus

Juliane Callegaro Borsa

Com o apoio de:

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